terça-feira, 19 de março de 2013


NOTAS SOBRE LYGIA CLARK

Uma Cumulus Nimbus retroativa. Tinha feito alguns apontamentos logo após ter visto a exposição “Lygia Clark: uma retrospectiva”, no Itaú Cultural em São Paulo, curadoria de Paulo Sérgio Duarte e Felipe Scovino. A exposição ocorreu entre setembro e novembro de 2012 e foi uma das raríssimas oportunidades de se ver mais de uma centena de obras da artista  (algumas, inclusive inéditas).

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PINTURAS
Trabalhos em pintura, como as da série “superfícies moduladas” mostram bem o processo que começa com o esquadrinhamento geométrico da tela, as divisões modulares que servem de guia para a composição (operação parecida com as de Hélio Oiticica).
Contudo, o modo como a artista estabelece as conexões entre os pontos para traçar as linhas resulta numa configuração que a princípio desafia os códigos convencionais do traçado geométrico assentado na lógica das relações ortogonais.



Trata-se de um operar geométrico que resulta numa configuração que aparentemente o contradiz. No entanto, o método e a lógica são rigorosamente geométricos. Essa diferença significa não a negação, mas a busca de relações inéditas, inesperadas, para demonstrar que a geometria está aberta a tantas outras possibilidades, desde que estejamos dispostos a toma-la de modo experimental.

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TREPANTES de alumínio
Trepante ( 1965) de chapa de alumínio apoiado em troncos de árvores é tocante. É um frescor de adaptabilidade, de fluidez, de flexibilidade que espanta. Liberdade de movimento, cumplicidade orgânica com suas bases, contaminação envolvente com o espaço circundante. A superfície perfeitamente acabada e polida em desenvolvimento sinuoso apoiada em base rústica forma uma contraposição que lembra muito Brancusi. Achei uma peça bastante clássica, nesse sentido.
A leveza das superfícies em livre desenvolvimento contrasta com a robustez áspera e pesada da  base, o brilho reluzente do alumínio contrasta com a textura rugosa das cascas e dos veios fissurados dos troncos, a qualidade metálica do metal contrasta com a organicidade vegetal da madeira.
A superfície de alumínio reagindo a luz ambiente expele um brilho ofuscante, em contrapartida suas qualidade de superfície especular captura os reflexos do ambiente.  Se as superfícies metálicas atuam como rebatedoras de luz, as cascas de tronco com suas fissuras e irregularidades capturam-na, aprisionam-na em seus meandros, criando contrastes entre luz e sombra.
O encontro entre estas duas entidades – planos curvos e troncos – com o espaço demonstra, antes de mais nada, que a questão da artista é estimular modos de interação espacial.


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TREPANTE DE TIRAS DE BORRACHA

Nesta obra, Lygia Clark incorpora outro dado que nas peças de alumínio não comparecia. O fato da tira de borracha ser um material flexível e elástico introduz a possibilidade da manipulação orgânica do trabalho. De certo modo, os bichos já apresentavam tal possiblidade, mas o movimento por causa das dobradiças ainda se via restrito à ação mecânica. Os planos eram rígidos e a articulação interdependente. Nesse trepante, a simbiose entre manipulação, forma e espaço se dá de modo mais orgânico e sem resistência.
A cada movimento, uma nova forma, outra relação espacial. Nesse mover-se no espaço e do espaço, a percepção é renovada a cada instante. Assim, se estabelece uma conexão entre USO e PERCEPÇÃO. A percepção é o uso
Aqui podemos tecer algumas aproximações com a arquitetura, a partir do parâmetro do uso ou participação do sujeito no espaço. O que a arte vem demonstrar é que o uso não pode ser restrito ou limitado, ao contrário, que é sempre uma renovação do ser no espaço. Na arquitetura, o uso se viu reduzido à ideia de utilidade, ao parâmetro da funcionalidade, inviabilizando outras possiblidades de experiência do espaço.
Na arquitetura, uso é percepção igualmente. Os arquitetos fazem questão de fazer emergir o espaço, como puro valor perceptivo de suas arquiteturas. Assim ocorre nos projetos de Mies Van der Rohe, nos seus cubos cristalinos e transparentes. Assim ocorre com a ideia da promenade em Le Corbusier.
Na arquitetura brasileira, as possibilidades do uso não exclusivamente funcionalista do espaço será aprimorado e, pode-se dizer, radicalizado. E isso, a meu ver, pelo modo como concebem e desenham a geometria. Não a restringindo à condição ideal, atribuindo-lhe valor interativo, sensorial e corpóreo, libera o espaço para o jogo lúdico.



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TREPANTES  X BICHOS

Trepantes de borracha apresentam uma condição de maleabilidade que não se verifica nos bichos. Por um lado, os trepantes são muito mais disponíveis à interação. As operações disponíveis, graças à elasticidade do látex, são torção, dobra e tensão, contudo, devido as propriedades inerentes à borracha, essa ausência de resistência faz com que a peça tenda sempre à retornar a sua condição original, ou seja, à condição de repouso. A tendência desses trepante, paradoxalmente, é aceitar a inércia da  matéria, daí a tendência à passividade e a dependência do ambiente em que se insere, aos elementos de apoio e à ação da força de gravidade.
Os bichos, embora estejam sujeitos às articulações mecânicas – a dobradiça e os planos rijos – apresentam mobilidade continua e não reivindicam um retorno à condição originária. A cada manipulação, uma configuração, um momento único, virtualmente irreprodutível. Os bichos são um continuo processamento, uma descoberta inédita a cada experimentação, daí a instabilidade básica que define o seu ser, por um lado, e o caráter libertário, leve e a alegria que se conquista a cada arranjo. 
 Por causa de suas placas de metal e das dobradiças, os planos deixam a sua condição de estabilidade horizontal e assumem posições tridimensionais. O próprio peso e rigidez das placas de alumínio se colocam como índices de resistência que não se rendem totalmente aos estímulos do espectador-participante. É por isso que as configurações se elevam e por um breve instante se equilibram e ficam de pé. O material e as articulações são funcionais, uma interfere na outra gerando um continuo de reações simultâneas, próprias de um efetivo organismo.
Nesse jogo aberto entre movimento e resistência, os bichos se revelam mais disponíveis e adaptáveis à interação com a heterogeneidade do real, em suas condições complexas e mutantes. Os trepantes partilham de uma condição unilateral, o que lhes insufla vida é a falta de resistência do material, a forma está sujeita a possibilidades de ação mais previsíveis e restritivas – torção, tensão, dobra – advindas da maleabilidade do plano.  De fato, não ficam de pé, porque o plano não oferece resistência, limitando-se a uma condição passiva e de inércia.
Outra singularidade é que o princípio de articular planos e dobras se revela disponível para infinitos arranjos. Dos triângulos e círculos, a artista expande seu vocabulário chegando a montagens variadas e altamente complexas, alcançando resultados que quase escapam da lógica geométrica que comumente orientou tais experimentações com planos.
A pulsão orgânica dos bichos é mais efetiva que dos trepantes.

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LIMITE
 “Caminhando” abre um caminho diferente: as experimentações vão se radicalizando a tal ponto que obra e ato começam a se confundir. O conceito de arte como objeto, que ainda se via nos “bichos” começa a se dissolver. Nesse encurtamento de distâncias, o ato de participação se torna prioritário, mas paradoxalmente o mundo exterior vai perdendo presença e tangibilidade. São os sentidos internos os visados pela artista, os dispositivos sensoriais (óculos, luvas, tuneis, roupas, recipientes, tubos, máscaras, teias , linhas, etc) compreensivelmente começam a acionar os sentidos do tato, olfato e audição, em detrimento da visão. A experiência que se queria aberta e participativa vai paradoxalmente se tornando fechada, introspectiva: uma canalização de estímulos para o interior. Aí, a forma é a duração.
Quanto mais as proposições aproximam arte e participante, mais distante do público, no sentido ampliado, vão ficando. Essa ruptura com o público, me parece, é o aspecto mais radical e problemático na obra de Lygia Clark.

quarta-feira, 6 de março de 2013


PATRIMÔNIO MODERNO – parte III
 O CONTEMPORÂNEO COMO ATITUDE CRÍTICA

Na história da arte, é comum a constatação de que uma pintura é um depoimento inédito do autor, mas é igualmente o comentário de outra pintura. Velazquez tem em Ticiano uma fonte profícua de diálogo, do mesmo modo que Velazquez é referência imprescindível a Manet e a Picasso. Na literatura, com o pós-estruturalismo, afirmou-se que um texto é sempre o comentário ou resposta a outro texto. Essa intertextualidade instaura um jogo de linguagens, que não deixa de ser uma possibilidade interessante de se confrontar as obras.
Na arquitetura, não há porque ser diferente. Um projeto é a critica de outro projeto, no sentido de que o um não se dá sem o diálogo com o outro. O projeto pode ser um texto que conversa com outro texto. O patrimônio moderno encerra essa riqueza de possiblidades, sem ter de nos render ao mito e a ideologia do moderno. Intervir nele é nos dispor a esse diálogo.

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O Instituto Vital Brazil tornou-se um grande complexo. Várias unidades foram surgindo no terreno, configurando uma estrutura urbanística muito distante do momento em que, em meio a uma área ainda semi-rural (como se pode perceber pelas fotografias de época) de Niterói. Instalar um laboratório fabril nessa região foi ato pioneiro no campo da saúde pública, e não nos esqueçamos que se tratou de iniciativa do mesmo Ministério da Educação e Saúde, muito associado em nosso meio às ações culturais, mas pouco conhecido nas suas políticas sanitárias.



O impacto desse edifício de linhas puras e formas límpidas, radicalmente distinto das construções existente, e destinado a um programa científico deve ter sido impressionante. Na época de sua inauguração, em 1942, o edifício concentrava todas as funções laboratoriais, e o resto da área abrigava pavilhões mais rústicos para estábulos, cocheiras e pastos. Isso provavelmente explica a implantação à frente do lote e a clara distinção entre frente e fundos e também a importância dos vestiários (ocupando os pilotis) logo à entrada.
Obviamente com a ampliação das atividades do Instituto ao longo desses 70 anos, muitas unidades e instalações surgiram onde outrora havia o local para os animais, e hoje temos um verdadeiro campus. Fica evidente que apesar deste crescimento edilício, o local careceu de um plano diretor que orientasse tais expansões.

À esquerda o acréscimo da Farmácia Popular





Em 2003 foi implantado o programa “Farmácia Popular” para cumprir a função de distribuir medicamentos à terceira idade e atender à população menos favorecida. Apesar da importância social, em termos arquitetônicos o edifício construído para abrigar a farmácia constituiu em verdadeira agressão ao edifício existente. De modo canhestro, um galpão banal foi “colado” ao edifício sem qualquer tipo de transição ou adequação (o que revela o despreparo dos escritórios técnicos de arquitetura responsáveis – se é que o são – por tais projetos). Com a construção de novas unidades de pesquisa e produção no campus, as instalações abrigadas originalmente no edifício original foram perdendo função, sendo já substituídas por órgãos administrativos, o que levou a direção do Instituto a considerar a sua revitalização. A proposta foi converter o todo edifício para funções exclusivamente administrativas do complexo. O projeto coube ao escritório FÁBRICA ARQUITETURA, e seus autores João Calafate, Caio Calafate, Pedro Varella, Sergio Garcia-Gasco e Juan Texeira.
De início, coube uma avaliação rigorosa da estrutura física existente. Como foi construída com muito apuro, a estrutura de concreto armado se mantém em bom estado (lajes, pilares, vigas) bem como paredes e pisos. No entanto, uma parte bastante degradada é a fachada sul, com fechamentos improvisados e acoplamentos de caixas de ar condicionado, dutos e canalizações grosseiras, resultantes das adaptações e atualizações técnicas mais recentes. Após essas avaliações,  seguiu-se um intenso trabalho de programa junto à direção do instituto, para enfim, se alcançar nos 3 pavimentos existente os usos específicos e suas dimensões respectivas.

A liberação do pilotis e o descolamento do anexo - foto Pedro Varella

A proposta para a ocupação do terraço - foto Pedro Varella

A nova torre de circulação e a compatibilização com o anexo
Foto Pedro Varella


Além  do novo programa, dois outros problemas se impuseram: como minimizar o impacto da Farmácia Popular e, frente as novas exigências do Corpo de Bombeiros, definir acesso alternativo e complementar ao único existente. A proposta dos arquitetos consiste em provocar uma disjunção entre o bloco da farmácia e o Instituto, como forma de resgatar a autonomia do original, e simultaneamente erigir uma torre vazada de circulação no prolongamento da face oeste, que pela leveza e elegância lembra as estruturas do construtivismo soviético.  Uma pele metálica que dá um efeito de leve translucidez contraposto à opacidade da fachada norte, reveste estes dois elementos tornando comum o que, na origem, era discordante. Desse modo, o edifício-sede se encontra novamente liberado e fazendo valer uma de suas maiores qualidades: o purismo de sua forma e a nitidez de suas proporções.
Nesse jogo de separar e conectar, o projeto expõe sua inteligência. Além de facultar acesso alternativo aos pavimentos, a torre também se conecta ao terraço. Essa ligação encontra cumplicidade no interior do instituto, no 3º pavimento reservado aos órgãos diretores, onde ocorre a explosão da caixa pelo corte na laje de cobertura para nesse vão alocar o acesso ao terraço.
Como contraponto à abertura para os céus, impôs-se igualmente a liberação do pilotis, ocupado pelos vestiários. Essa interrupção cortava a fluência espacial e aumentava a sensação de barreira entre frente e fundos. Com a abertura do térreo, o paisagismo ganhou particular relevância como desenho da superfície a incentivar a continuidade espacial. Outra alteração, que caminha no mesmo sentido – a liberação espacial – foi a proposta de deslocar para esquerda a caixa de elevadores (ver a planta original) para fora do eixo do volume vertical para assim facultar a vista para o lado oposto.
Esse duplo movimento - liberar o solo e ocupar o teto  -  sintetiza as operações decisivas da proposta. A continuidade da superfície converte o Instituto num efetivo problema urbanístico, na medida em que seu uso atual inclui um complexo vasto e variado de diversas unidades. A vista do terraço expõe de modo gritante essa falta de planejamento, mas por outro lado descortinam visadas inéditas da praça à frente e das montanhas ao fundo, fazendo ver não só a forma urbana, como também a constituição paisagística do entorno. A superfície que continua torna o lote um solo comum, portanto responsabilidade comum.
Cerca de dois anos e meio antes da decisão de reformular o edifício-sede, a direção do Instituto tomou a iniciativa de construir um espaço cultural no local em que funcionava o almoxarifado. Este cumpriria a função de conectar a instituição com as comunidades do entorno imediato e com a própria cidade de Niterói. Hoje, um espaço de ciência não mais se assemelha a um monastério recluso, ao contrário, se abre e busca interação com a comunidade.


O Espaço Vital Brazil de Ciência e Cultura, projeto de Pedro Rivera e Pedro Évora, do RUA, é um anexo coligado à edificação de Vital Brazil (para detalhes do projeto ver http://www.rualab.com/portfolio/60,146). Um anexo oferece vantagens de certa independência formal em relação ao original, contudo os autores definiram como ponto de partida básico o protagonismo da edificação modernista. O programa inclui auditório, sala de exposição e biblioteca.
O primeiro ato, como no projeto do FÁBRICA, foi resgatar a ideia do pilotis aberto, liberando-o do fechamento que ocorreu ao longo dos anos, na ala à direita do acesso principal,  para aí se estabelecer como eixo de acesso ao bloco do auditório e da sala de exposição. Entre as duas edificações forma-se um espaço de transição transparente, no qual se localiza o saguão de acesso e a biblioteca, além do ofidário.
O projeto do anexo começa com uma curva tangente, modo elegante de estabelecer um contato, mas também de estabelecer uma diferença. Ao invés de prolongar os eixos existentes, procedimento típico da composição modernista, o eixo do auditório encontra-se ligeiramente deslocado do eixo do volume de acesso. Além disso, em termos compositivos, a articulação proposta dá acento à curvas, diagonais e retas. Ao purismo do original, a opção pelo híbrido e pelo destoante, que não se restringe à planta, mas incide sobre planos de fechamento, na fenestração, na cobertura e no teto ondulante do auditório.
Fosse no período modernista, o projeto do anexo provavelmente seguiria o eixo do volume transversal, alocando na extremidade o auditório em forma de cunha. Os projetos brasileiros do período de 1940-60 exibiam sua preferência pela proliferação de episódios plásticos ao longo de um eixo linear. É fácil perceber essa estratégia tomando como exemplo o plano de urbanização da esplanada de Santo Antonio, de Affonso Eduardo Reidy.

Affonso Eduardo Reidy - urbanização da esplanada de Santo Antonio 1948


Aqui, a configuração volumétrica proposta oscila entre a discrição e a contundência. A contenção das formas denota um sentido de respeito ao patrimônio moderno; o porte e o intencional desvio da ortogonalidade, assim como o engaste abrupto entre o volume do auditório e a caixa baixa, assinalam a afirmação da diferença. Um volume incrustado no outro, diferenciados pelas proporções e pelo tratamento das superfícies, por um lado é típica estratégia modernista, por outro, a estranha congruência de linhas , formas e volumes assinala um gosto pelo impuro e por certa intencional deselegância. Para atenuar o impacto do volume maciço do auditório, cuja altura é sempre considerável, os arquitetos optaram por recobri-lo com  teto verde e assim estabelecer a conexão visual com a paisagem montanhosa ao fundo.
O programa de um espaço cultura sempre implica em áreas amplas e dilatadas. De fato, o projeto se espalha, mas é contido pela rua limítrofe e pela via interna que contorna o anexo. A horizontalidade predomina, justamente para não competir com o edifício existente.
Não obstante, o respeito denotado pelo projeto, não há como não pressentir o incômodo de projetar um anexo quando, no polo oposto,  outro – a Farmácia Popular – tenha sido implantado de modo tão desastrado. Todo cuidado demonstrado encontrava um item de contraste na volumetria canhestra e banal do anexo na outra extremidade. O dilema projetual necessariamente incidia sobre este negativo inescapável: melhorar algo enquanto tamanho acidente se mantém invulnerável. É óbvio o desconcertante paradoxo, o inconformismo de aceitar essa situação, quando o que se impunha seria uma ação mais abrangente e expansiva, que incluísse todo campus. A demanda por mais uma intervenção pontual só reafirma a lógica irregular que conduziu o “programa” de expansão da Instituição.
Com a decisão da direção do Instituto Vital Brazil de reformar o edifício-sede, encomendado aos arquitetos da Fábrica, os projetos de algum modo se complementaram. Solução de acesso comum pode ser mais bem compatibilizada, e a partir da decisão comum de abrir o pilotis, o paisagismo pode também contribuir para dar maior unidade às intervenções.
É preciso, contudo, chamar a atenção para um ponto: os projetos ainda são situações de projeto. Mesmo que o projeto do RUA (em comparação com o estágio do FÁBRICA) esteja na fase do executivo, ainda se confrontam com o imprevisto, com as mudanças de ênfase ou indefinições que forçam a ajustes, correções, adaptações. Itens do programa sofrem alterações, avaliações estruturais determinam a viabilidade ou não de certas intenções, ampliações ou restrições da abrangência original do projeto impõe a revisão constante das premissas e estratégias até então seguidas. E isso sem considerar que na fase de construção um sem número de circunstâncias podem surgir e interferir naquilo que foi previsto.
Mas, justamente nessa fase que, a meu ver, certos aspectos do projeto se manifestam. Nessas situações ainda não totalmente completadas e resolvidas, ainda em fase de estudar soluções, em que as dúvidas, os inconformismos, as alternativas ainda são um risco, é que o projeto revela toda sua riqueza e complexidade. No geral, ao final do processo de projetação, quando tais indefinições, em tese, já chegaram a um termo comum, vislumbramos uma representação sintética que, por sua própria natureza, oculta todo o campo de possibilidades e incertezas enfrentadas durante o período analítico do projeto.
Nesse intervalo, o projetista se vê e se coloca em questão, na medida em que expõe suas fragilidades. Aí, também o crítico aprende a ver o que se coloca durante o árduo processo de projeto e que as decisões tomadas são angustiantes e conflitadas. Aprende, em igual medida, a relativizar as premissas idealistas e estéticas, que ele toma como as mais importantes, mas que ao longo do dilema do projeto, são partes a serem ponderadas, mas não o corpo completo a ser formado.